segunda-feira, 23 de agosto de 2010

...


Olá,

Escrevo-te antes de abalar.

Não quero que te inteires da angústia que sinto…

Antes de desenvolver a prosa, descontextualizo-a…Dentro da minha barriga há Rolls RoYces a competirem em espiral. Sinto mais do que um. Vruumm, Vruuumm, Vruuummm.

Custa-me engolir. Dói quando passa na garganta…
Não digo nada a ninguém! Às vezes, nem a mim!

Nestas alturas tenho inveja de ti e dos outros. Vocês, seus sortudos, têm isso de Deus. Ampara-vos, não é?

Sabes, sou tão ambíguo. Polissémico, como dirias, com o teu português mais que perfeito.
Quando te via rezar, ou quando me espantava por seres tão pouco crítica com o teu “Deus” de “dê” maiúsculo, sentia-me superior a ti. A Tua Santidade, ali, devia ser eu…

Não, desculpa, definitivamente não somos todos irmãos.
Graças a Deus!!

E “abrenúncia" para os vossos rituais…Jurei para nunca mais, quando aquela octogenária, na parte do beijo, me inundou a bochecha. Deixou lá um triângulo equilátero…De baba!
Deus me livre!

Ana, uma questão. Quando é que nasceu o teu Deus?

Outra.

Como?

É que, segundo dizem, Ele foi o criador…

Ana, isto não interessa para nada.
Se calhar deixaste-me por causa disto. Não por ser ateu.
Por dispersar…

Nunca mais soube nada de ti. Não sei se estás mais gorda, se já sabes as regras das rotundas, ou se ainda encorrilhas a cara quando tomas café…
(encorrilharás, com certeza.)
E sabes, gostava tanto de saber de ti.

Eu…cá ando. Nunca pior! Há dias maus e outros menos maus. Também os há tristes, muito tristes e tristíssimos. Não como a noite. Como eu.

Eu vou andando por aí. A fazer isto e aquilo. E isso… Haja saúde.
Escrevo-te hoje porque percebi que o amor, às vezes, não é a melhor coisa do mundo. Ele que me perdoe.

Sou um vulcão em “deserupção”…
O Miguel Esteves Cardoso tem razão. O amor é uma coisa. A vida é outra.

Com estes tríceps que Deus (?)me deu, puxei a nossa corda até onde pude. Acabei de cair para trás. Doem-me as costas, como aos adultos.
Dizem que se chama “bicos de papagaio”.

Ana ina ão, ficas tu eu não… Queria tanto que fosses comigo neste avião.

Está a levantar, agora. Tenho de apertar o cinto. O nariz já empinou e as asas abrem-se em câmara lenta. O avião sou eu…a suplicar o teu abraço.

Penso em coisas boas para ver se passa e lembro-me de uma vez em que, afinal, o teu português não foi assim tão perfeito. Com os nervos, disseste ao teu júri de mestrado que fulano ou sicrano “interviu”…

Ninguém reparou, amor.
Mas tu…Tu coraste, paraste, procuraste-me com o olhar no anfiteatro, respiraste fundo e rebobinaste…

O Amor estava ali.

E aí, a vida era uma coisa. E o Amor também era essa “coisa”.
Hoje, que o amor já não está ali, voo para longe. Não sei se para longe de Ti, porque não sei em que hemisfério estás…
As coordenadas, escolhi-as “ao calhas”, com desprezo, porque nada faz sentido quando é Vivido sozinho.




Cheguei de viagem. Confirmo muita coisa.

O meu mundo era uma migalha.

Na bagagem, que tinha de vir levezinha, trouxe o mundo...


Mais uma…

O primeiro amor tem tudo para ser o último. E tu, Ana, não foste o último.
Fica tranquila. Não sou presunçoso ao ponto de pensar que eu fui o teu.
Nem sequer o primeiro.

Sei bem que não fui a peça da tua vida…Não faz mal não ter sido o teu “Les Miserables”. Fica para a próxima.

No sítio onde estive, havia milhões como eu.

Iguaizinhos.

Não me interessa se liam a Bíblia, o Alcorão ou se cumpriam o Ramadão...
Por mais olhos em bico que tivessem, por mais pontos na testa que ostentassem, por mais véus que exibissem, ou por mais estranho que falassem, eram todos como eu.

E...andamos TODOS à procura do mesmo.

Ana, pseudónimo que te escolhi, prolonguei em demasia a ilusão de te voltar a ter. Ainda me custa a engolir quando te pronuncio. Passado todo este tempo…

Mas…

Vou continuar a viajar…

Não tarda e estarei de novo a beber na Taberna do Charles Dickens, volta e meia e volto a abraçar aquele rapaz, sem-abrigo, que, quando soube que era da terra dele, nem soube de que terra era…O abraço genuíno que me deu, cheirava mal, mas não faz mal. Faz bem.

Daqui a nada estarei outra vez à conversa com o Mustapha. Esse muçulmano, esse faquir, que não deita bombas …Aladino a voar em tapete de Arraiolos, deita antes foguetes quando lhe falo no rabiosque da mulher de Portugal.

E…

Porque o amor não se circunscreve a um sítio, a uma nacionalidade, a uma cultura, a uma cor, a uma religião…

Eu vou andando por aí…

À procura.

domingo, 1 de agosto de 2010

CATARINA



Bebias café sempre da mesma forma.
Agarravas a chávena com as duas mãos e sopravas antes de cada gole. Sopravas, não. Bufavas.
Fumavas os teus cigarrinhos fininhos e eu agradecia a um Deus em que não acredito por te ver fumar.
Fumar mata. Ver-te fumar matava-me.

Não olhavas para ninguém. Pagavas e ias à tua vida.

Eras a mulher mais bonita do Porto. Sem clichés, por favor. Tudo é discutível, bem sei.
Tu, não.
Confundias-te com a cidade.
Gémeas verdadeiras. Monozigóticas…Daquelas que vestem as mesmas roupas e têm, ambas, 37 sardas na bochecha direita.
Eras a personificação da Invicta…da parte boa e da parte má.

Sabes, Catarina, quando ganhei coragem para te pedir para te tirar uma fotografia, nunca pensei que aceitasses. Ficava contente com um “não”. Por mais seco que fosse. Podia até ser um “não” déspota. Uma reacção tua bastava-me. O meu amor-próprio não era prioridade.
Tu, sim. Vinhas da direita.

Quando disseste que sim, quis que tivesses dito não.
Engasguei-me.
Desejei ter morrido quando, para fazer conversa, recorri ao tempo. Esse desbloqueador de conversa da loja dos trezentos.

Enquanto fazia de meteorologista , pedia que me dessem um tiro na rótula. O meu sonho, naqueles segundos, era partir o metatarso. Ao menos saía dali.
Quando te falava de aguaceiros, de céus pouco nublados e de tufões nas zonas altas, riste-te para mim. Melhor, riste-te de mim.

Fizeste pose.
Foi a melhor forma de me mandares calar.
Com a mão na anca, diagonalizaste o teu tronco de Afrodite e, vaidosa, fizeste beicinho para a fotografia. Muito vaidosa, ressalvo.

Fiz parágrafo mas não devia. Faltava superlativizar o vaidosa. Tu eras impressionantemente vaidosa. E é impressionante…nunca eras fútil.

Convidaste-me para um café. Sim, tu convidaste-me.
Gaguejei. Engoli trinta e sete quilolitros de saliva…
A seguir ganhei coragem e disse-te que não.
Agradecia o convite, mas via-me forçado a recusar porque a cafeína fazia-me mal à hérnia.
Franziste o sobrolho…Não cedi.
Foi a tua vez de gaguejar… Mantive o ar sério e a tua auto-estima foi para as urtigas.
Por momentos pareceste-me humana.

Inverti a ordem dos factores. Fiquei por cima…
A seguir, aceitei…

Enquanto te ouvia, mostrava-te as minhas mãos vazias.
Com elas em concha, pedia-te, com os olhos, que gostasses de mim...

Sabes, tinha 34 anos e não me sentia assim há 34 anos e 4 meses. Era uma espécie de tranquilidade eufórica.
Lembro-me que só quando flutuava no líquido amniótico da minha mãezinha me tinha sentido assim…
Em paz e desassossego!

Tu desafiavas as probabilidades. Não tinhas um sorriso bonito, porque tu não tinhas um sorriso.
Tinhas infinitos. E ainda mais outro… Todos me causavam apneia.


Adormeceste a ouvir o que saía das cordas vocais do Percy Sledge, comigo ao volante.
Era noite e eu ziguezaguiava e calcava linhas contínuas para te poder olhar…
No rádio, o Percy, cantava, em "repeat",

When a man loves a woman
Can't keep his mind on nothing else
He'll trade the world
For the good thing he's found
If she's bad he can't see it
She can do no wrong
Turn his back on his best friend
If he put her down


E eu via-te dormir, Catarina Bailarina...

...

Não ouvíamos a mesma canção. Antes de te conhecer já o sabia…Partiste.
Foste à tua vida…

Eu fui e tu foste Si. Estávamos longe, separados por um hiato de agudos desafinados que nos zurziam os tímpanos…

Arrependes-te?

Eu, não…

No nosso portefólio, guardo tudo. Abraços num lençol encorrilhado, interjeições, feições, e o teu ventre…
Os teus seios suados a recuperar fôlego na minha pele, os meus lábios a gritar pelos teus, e o teu ventre…
Francisco se fosse menino, Inês se fosse menina.
E o teu ventre…

Vivemos tudo à pressa. Os nossos corações, enquanto bateram, foram galopes de um cavalo louco…

O há pouco quem, no depressa e bem, fomos nós, meu bem…

Só tivemos Presente, porque o Futuro não existe... é uma invenção de um engenheiro trapalhão…
O Futuro, sem ser tempo algum, é tempo que se perde no Presente.

Em nós, houve Hoje.

Arrependes-te?

Eu, não...

Saravá, Catarina…