sexta-feira, 14 de agosto de 2009

...ESCOLA PRIMÁRIA...A MINHA!



A minha escola primária sabia a pão com geleia…
Chovia sempre muito…
A minha escola primária era o Júlio a comer iogurte, era a letra bonita do Chita, eram os cabelos loiros da Sabrina…era eu, com calças de bombazina castanhas com remendos e um capote alentejano, que mantinha a temperatura do meu corpo a uns “agradáveis” 670 graus… A minha escola primária era um campo de terra batida onde se jogava ao berlinde, era um autódromo onde se faziam “grand prix” em pistas desenhadas a giz e em que todos fazíamos as curvas sem travar … era uma baliza de plasticina com uma linha de golo imaginária, onde eu tentava imitar o Zé Beto, voando sobre os céus de Rio Tinto, acabando, sempre, por aterrar em queda livre e reduzir a já de si curta esperança de vida dos meus dentes de leite…
A minha escola primária era eu, trapalhão, a picotar e a recortar por fora e a produzir , indiscriminadamente, "estalagmites" de cola UHU, que iam do meu polegar ao meu indicador...a minha escola primária era eu, daltónico, a pintar a bandeira de Portugal com guache castanho…

Estas são as recordações mais fiéis que tenho desta escola…ou dessa escola…porque eu não andei na mesma escola que os miúdos que andam na escola que andei…As cadeiras, as mesas, as sebentas, e a “Emilinha”(empregada), podem até ser as mesmas…mas… a escola é um poema…como tal, as cadeiras, as mesas e o quadro, são versos só meus…e não duvide leitor, a minha escola primária sabia mesmo a pão com geleia…

A minha escola primária tinha “poetas” que não gostavam de poesia…”poetas” que assassinavam o poema com fisgas à socapa da noite...”poetas” que tinham alergia a agulhas…agulhas que, gentilmente e devagarinho, faziam tricô com o pensamento…Davam-lhe mimo...ou melhor, miminho...
Na minha escola primária, os “poetas” tinham a mania da perfeição…eram rectilíneos… e para que nada saísse da linha, usavam réguas...réguas que sabiam ler a sina!
…Ninguém…ninguém conhece as rotundas, as cedências de passagem e as bifurcações das linhas da minha mão, como a régua da minha escola primária…

Eu não sei se fui feliz na minha escola primária…Se fui, a culpa é do Júlio, do Chita, da Sabrina, da Liliana, do Renato, do Miguel…E esses, por mais que cresçam, que usem barba, pêra e suiças, na minha cabeça vão estar sempre lambuzados e besuntados de cornetto de chocolate, a brincar aos leggos, a misturar e remisturar peças de puzzle e a saltar às cordas … A minha escola primária, infelizmente, foram só eles…
O resto… foi um assalto à mão armada…

Sim…nunca me esqueci da tabuada…sei de cor a sequência dos reis e o nome dos tratados…Sei que não se diz “tu há-des aprender, ouvistes…” sei que existem gados caprinos e asininos, sei fazer a prova dos nove, e do Minho ao Algarve não há província que me escape…
E??????.....Isso é tão pouco...
Senti sempre falta de ar…a minha escola não gostava de asas…era mais gaiolas!

Bofetadas, reguadas, sapatadas…fila dos bons, fila dos “mais ou menos” e fila da "miséria" (?!) …cópias, ditados, contas, Avé Maria, outra cópia e outra bofetada... uma reguada por escrever “Pai Noço”, um "senhor" puxão de orelhas acompanhado de um arregalar de olhos porque leio mal a palavra “cágado” e transformo, inocentemente, a pobre tartaruga num adjectivo de hábitos higiénicos questionáveis… um berro de megafone a 2 centímetros do meu ouvido e sou o epicentro do meu próprio sismo...fico periclitante em cima do estrado...e tudo porque a “perninha” do “d” estava, imagine-se, zero vírgula quatro decímetros menos enroscada que o normal...
Sou “despromovido”…despeço-me da fila dos “mais ou menos” e "desço", num "escorregão em espiral", à fila da "miséria"…um conjunto de miúdos, cuja auto estima, era, de facto, uma miséria…era a fila dos depositados, dos feios,do "ranho no nariz", dos maus…como eu…como eu me senti!


O leitor pode refutar…dizer que era assim que se ganhava “coluna vertebral”…
Eu contra refuto... e, gentilmente- politicamente correctíssimo-, digo-lhe que a “coluna vertebral” é um processo que dura a vida toda, portanto, ainda está em boa idade para levar, também o leitor, uma bela duma “bordoada” para que a “espinha” apareça mais rapidamente…
O leitor não me pode levar a mal...é para o seu bem!!!!

Nenhum professor tem o direito de bater ou de fazer terrorismo psicológico com crianças…
Lembro-me de um “miserável”, como eu, que no Carnaval se fantasiou de “Robin dos Bosques”…a professora disse que estavam todos muitos giros, uns mais do que outros…só o “Robin” é que estava... assim…para o feiozito…

Nunca mais vi esse colega, mas estou ansioso por reencontrá-lo...tenho a certeza que as palavras da sapiente professora o devem ter auxiliado na construção da personalidade…
Hoje, deve ter uma “coluna vertebral” espantosa…


Aos meus amigos “pequeninos”…e só a eles…obrigado pelo pão com geleia…