sábado, 27 de junho de 2009

DECISÕES...




Uma decisão, por mais pequena que seja, pode mudar uma vida…Eu sei que o senhor La Palisse não diria melhor, mas…
Às vezes, penso como seria hoje a minha vida se tivesse trocado um não por um sim ou se tivesse respondido correctamente à pergunta da específica de Inglês do 12º ano...O John Osborne e o triângulo amoroso do "Look Back in Anger" "despacharam-me" para a capital...
Entrei com 18 anos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e lembro-me bem da angústia dos domingos à noite, quando tinha de deixar o Porto…Tive a oportunidade de não ir…de esperar um ano e ficar, comodamente, no Porto…decidi ir!

Durante meses pensei que tinha tomado a pior decisão…Lisboa e eu não tivemos uma química imediata. Nem sequer uma Física...Aliás, começou por ser uma relação deprimente, sem qualquer tipo de “cócegas” na libido…Uma relação completamente assexuada... Lisboa era incapaz de adicionar um centímetro que fosse ao meu baixo-ventre...nem mesmo quando se "despia" e me tentava seduzir com o lirismo do Terreiro do Paço ou com a beleza sibilina da Rua Augusta…
Zero de excitação na mais "pornográfica" das idades…
Voltei para o Porto, com quem fantasiava a partir de Lisboa …O Douro, os Clérigos, a Foz …eram as minhas fontes de onanismo solitário…

Quando cheguei, o Porto não me pareceu o mesmo… se calhar eu é que estava diferente…O ano que passei fora dele levou-me a projectá-lo à condição de “Brigitte Bardot”…Lisboa era uma "Virgínia Wolf" sem talento literário…
A Faculdade de Letras, agora do Porto, não era o meu tipo de “mulher”… Não a conhecia e o “blind date” revelou-se desastroso…
Encurralado, sem amor e sem paixão, fiquei com ela por obrigação…O nosso problema de comunicação era tão complexo e tinha tantas declinações que acabou por ser o próprio latim que nos separou…
Me miséret
Entretanto, fui uma espécie de jornalista, fui vítima de um contrabandista …mas sempre...sempre com Ela em vista…
O Crepúsculo fazia rebolar a minha almofada e Lisboa aparecia nos meus sonhos, agora com um Rossio esculpido e com uns glúteos em forma de pêra rocha…
Decidi voltar…
Nesta Lisboa já vi uma mistura de poesia e de doçura…que se calhar já existia…eu é que nunca tinha olhado!
Esta Lisboa era uma mulher de quem se gosta, talvez até se chegue a amar, quem sabe…Mas, nunca me ia dar o sabor das tâmaras…com ela não ia ejacular jactos de existência …Podia, até, fazer-me ligeiramente feliz…mas... este advérbio de modo ia ser um revólver sempre pronto a disparar no meu encéfalo…
Eu nunca quis ser “suavemente", “moderadamente” ou “relativamente” feliz…

Ela, altruísta, percebeu, e numa viagem de despedida, guarnacemos o velho cacilheiro com pastéis de Belém e desancorámos no Cais das Colunas... adormecemos nas margens do Lis, abraçamo-nos no Mondego "debaixo" dos acordes de uma tuna e demos um beijinho de despedida quando eu desaguava no Douro...Disse-lhe ao ouvido que ela era a outra "margem" de mim...
Depois…depois, aí sim, tomei a decisão que me vai fazer “completamente” feliz…

Ainda em tronco nu e chapinado pelas gotas doces do rio, com D. Maria e Luiz I debruçados sobre uma varanda velhinha da Ribeira e com o Cais de Gaia em bicos de pé, pedi uma bicicleta emprestada a um "tripeiro" e pedalei, descalço, até ao Marquês para te ir buscar…
Tinhas contigo uma toalha que cheirava a tangerina, secaste-me e tiraste-me o frio que durava há séculos…Deixei de tremer... mas sempre com pele de galinha...
Descemos até à Batalha com as mãos tão entrelaçadas que ganharam ferida…Falavas dos teus meninos, dos teus portfolios e da tua dificuldade em perceber que não se coloca uma vírgula entre o sujeito e o predicado…Disse-te que, de sintaxe, só tinhas de saber que há coisas tão importantes…tão importantes… que nunca se coloca um ponto final…

Nesse dia pensei muito em Lisboa…Só cheguei ao Marquês por causa dela...

sexta-feira, 5 de junho de 2009

TOM SAWYER! GRATO!




Os sonhos são fascinantes…
Noutro dia, por exemplo, sonhei que recebia o “Prémio Pessoa” das mãos do próprio. A audiência era composta por um público heterogéneo e com “ligeiras” diferenças de idade.
Na primeira fila estava o Eça e os “vencidos da vida” com os respectivos penduricalhos. Entenda-se, bigodes e bengalas...
Mais atrás, perdidos entre esquissos, rascunhos, guernicas e capelas sistinas, estavam o Picasso, o Dali e o Michelangelo, il più bel ragazzo di roma...
No fundo da sala, e pouco satisfeitas com isso, estava um grupo de “sufragistas”americanas que não respeitava o no smoking, obrigando o parnasianista do Cesário Verde a mudar de lugar e servindo de pretexto ao portista do Miguel Sousa Tavares para pavonear o seu “british accent”. Do palanque, ouvi um... do you have lights? irrepreensível e com “clave de sol” no “h”.
O sonho estava numa fase quixotesca! O meu inconsciente, filantropo como sempre, decidiu adicionar-lhe Sancho Pança, e na fase final do discurso vitorioso, dando seguimento à coerência do sonho, agradeci ao...Tom Sawyer!!(?)
O sonho começava a assemelhar-se a um filme do Kusturica com música de fundo do Alfredo Marceneiro…

Julgo que o "Prémio Pessoa" ficou bem entregue…Com muita pena minha, o sonho não teve o tempo suficiente para que eu ficasse a par da minha obra, mas deve ter sido tão poética e surrealista, que serviu de reconciliação entre o Saramago e o Lobo Antunes…Lembro-me, vagamente, de os ter visto trocar livros…O Lobo chegou até a fazer uma dedicatória especial ao Saramago no “Os cus de Judas”…

O meu inconsciente é criativo…mas é, sobretudo, consciente…
Quem nunca viu “Tom Sawyer” que atire a primeira pedra…
Mantenha-se sereno, leitor…não há perigo de lapidação…

Tom Sawyer personifica a metáfora mais bonita da vida!
Obrigado Tom, Huck, Becky, Tia Polly, Sid e Índio Joe
Vocês, aí nessa aldeia de S. Petersburgo,onde só chovia para a seguir haver arco-íris e cheirinho a terra molhada, fizeram mais por mim do que qualquer compêndio, dicionário ou flexão de verbo irregular sumus estis sunt i am you are

…Sejam bem vindas as teorias construtivistas na educação...Freinet, Rosseau e Paulo Freire, grazie per tutto ...instalem-se à vontade Luísa Ducla Soares e António Torrado…nem é necessário sacudirem os sapatos à entrada...!
Rubem Alves, tu que "ziguezagueias" a tua caneta da mesma forma que as neguinhas da Baía saracoteiam os quadrís na avenida, puxa para ti essa cadeira...
Nós, as crianças, adoramos o artesanato com que fiam as vossas sinapses ...

Mas... Mark Twain...ele deu-nos o “Tom Sawyer”… vou repetir...agora em maiúsculas e a negrito...TOM SAWYER!
esquadrinhem…vasculhem…façam observações empíricas...capítulo por capítulo, personagem por personagem, cenário por cenário e digam-nos, se tiverem coragem, em que medida um gaiato de sete anos ir confessar-se ao Sr. Abade, por exemplo, é mais importantes e veicula mais alegria…
Para vocês, seus hereges, um balão de banda desenhada cheio de caveiras, pontos de exclamação, estrelas e cardinais...
Deus, se fosse criança, ia preferir fazer uma corrida de "mariposa" com o Tom nas margens do Mississipi, “empanturrar-se” com bolos de chila na cabana do Huck e ficar corado com um beijinho da Becky … a ser obrigado a gritar hossanas aos 7 anos!

Twain não escrevia com o erotismo de Al Berto, não tinha o azul safira e os "cavalos marinhos" de Sophia, ou a capacidade de Bocage, que colocava dois gramas de alcóol por cada litro de sangue do leitor, a cada verso "bebido"...
Mas, para mim, que sou lambareiro como os catraios, Twain foi o poeta das estrofes que esguichavam algodão doce e gomas de limão...

E o meu discurso como vencedor do "Prémio Pessoa", além de fluído, fez todo o sentido…