quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

LISBOA. A MINHA!



Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!



Álvaro de Campos


Se não é preciso muita perspicácia para perceber que os meus processos mentais são tão pacíficos como as relações israelo-palestinianas, já a minha escrita implica um outro tipo de minúcia… é falsa. Como Moisés! Ou Isaías...é a mulher fatal que o Cesário Verde tanto falava… Muito ornamentadinha, sem normalizações linguísticas, cheia de acronímias e advérbios de modo…não se iluda, leitor de textos light!! Os advérbios de modo só se usam para encher chouriços, para circunlóquios e levam à inoperância do discurso…a falta de normalizações linguísticas não é genuína…ela surge na esperança que o leitor possua défices cognitivos e raciocínios lógicos pouco válidos  …um razoável linguista desmascarar-me-ia em 7 segundos… As acronímias e as parassínteses não passam de processos morfológicos escusados e despropositados que apenas alimentam a minha vaidade, que, por sua vez, tenta esconder a minha insegurança, tornando-a, desse modo, ainda mais óbvia ……e se tiver com atenção, vai ter a oportunidade de se aperceber que pontuo tão bem como o líder do partido nacionalista pensa… ( mau exemplo. A minha pontuação é má, mas é digna…)
Estou-me a desviar...façamos o enfoque no que realmente interessa.

25 de Novembro de 1998
19h13m


Mãe
Acabo de chegar a Lisboa. Não estou triste. Estar triste nem era mau…Estou desesperado!
Acabo de ver um homem que no local onde supostamente deveria estar o rosto, tem uma espécie de máscara, uma preta nua com aproximadamente 204kg a falar sozinha e 4 adolescentes indianos, cheios de acne, com sacas do “pingo doce” a discutir preços com 4 prostitutas, cuja média de idade deve rondar os 83...
Isto é muito feio…
Mãe, deixa-me ir embora…Estou com saudades do pai, da mana e de ti…Cada vez que entro na Faculdade, mais saudades tenho do Zé, do Sérgio, da Bia, do Luís, do Carlos…Percebo com mais facilidade um filme Tanzaniano sem legendas, do que esta espécie de português que se fala aqui em Lisboa!!
Como estou hoje, Rio Tinto parece-me Nova Iorque…

Mãe, andei de metro…juro que foi a última vez! Um cigano que ia ao meu lado, quase me forçou a comprar um relógio, cujo design devia estar na moda...por altura das aparições de Fátima!
Um japonês, ou chinês, veio-me pedir um cigarro em mandarim… ou lá que era aquilo que saía da boca amarelo fluorescente e despovoada de molares do individuo....é tudo tão estranho!!
Ah! Fico sem perceber a razao da canção "Cheira bem, cheira a Lisboa"...Que contrasenso!
Mãe…tenho medo de ficar aqui…

04 de Julho de 2005
00h37m


Mãe
Por Lisboa tudo bem…Apesar do Benfica ter sido campeão…
Como estão todos aí?
Eu estou mesmo bem…
Mãe, devias ver a luz que há aqui em Lisboa. Hoje, depois do trabalho passeei pelo Rossio e pelo Chiado…
Vou sentir saudades desta terra!! Não é a minha, mas sabes, já é como se fosse! Principalmente agora que me vou embora… Vou voltar porque tem mesmo de ser… mas garanto-te…vou ter saudades dos chineses, dos paquistaneses, dos pretos e dos brancos…Lisboa é assim mesmo! E sabes…eu gosto!!
Vou ter saudades do meu Saldanha…do cheiro dos crisântemos da Rua Augusta. Ou das tulipas, não sei ao certo o que aquilo é!…deste branco do Rossio... de observar as pessoas no final do dia no Terreiro do Paço à espera do barco para o Barreiro…Vou ter saudades do Rodolfo, do David, do Sr António da Pastelaria Suiça, que há anos me diz “é a bica do costume? E eu há anos que respondo..”Não…é o café do costume”...

E que falta me vai fazer o azul do Tejo…
Mãe, mesmo detesta
ndo, vou sentir falta dos caracóis da Beira Gare, do bife com esparregado do Galeto e da ginjinha no Eduardinho… até deste sotaque, que faz com que a palavra "merda" soe a música sacra, vou sentir falta...
Sabes, vou falecer de  saudades da linha verde do metro..(Uma viagem agradável nessa linha, acontece, por exemplo, quando os dentes que nos subtraem nao são os frontais...) e do cheiro da cidade. Cheiro-a com os olhos. Lisboa é um arco-íris de pessoas!
Aqui, sou o Pessoa, cada vez que desço a Rua Garrett...Sem bigode. Todavia com uma ligeira cifose, também...

Estou a fazer as malas com angústia! Vai tudo amarrotado!

Não me leves a mal, mãe… Eu também tenho muitas saudades vossas, mastenho medo de sair daqui. 
Estou em crer que voltarei. Estou em crer que voltarei...