domingo, 24 de outubro de 2010

Inês e o gato maltês.


Inês. Inês. Inês. Inês. Inês. Inês. Inês.

(E por aí fora)

Já tinha brancas quando me apaixonei por ti. E é assim, recém grisalho, que começo a nossa história…

Ainda ourado de um exorcismo mal curado, e eis que me entras pelos olhos dentro, num mergulho olímpico, com meia-dúzia de piruetas e entrada de chapa.
 Rei morto, rei posto…

Entraste em mim e, vai-se lá perceber os deuses, continuaste em mim. Descobriste-me todo.
 Melhor, escarrapachaste-me…

Conheceste os meus segredos e abriste a boca de espanto. Que exagero, não era para tanto…

Curiosa, subiste ao meu hipotálamo que, fala-barato, te contou , ao ouvido, todas a minhas fantasias…Voltaste a abrir a boca de espanto. Agora sim…era para tanto!

Desceste aos meus pulmões e tossiste muito…Deste meia volta e só voltaste a estacionar quando encontraste um ambiente mais rural. Mais limpo. O meu coração…

Daí não sais. Daí ninguém te tira.

Inês, agora a sério, tu sabes tudo de mim. Descobriste-me a careca que não tenho, mal trocámos o primeiro olhar. Já eu, demorei este mundo e o outro a dar-te um beijinho. Sete minutos.

Bastava um. Roubei-nos seis minutos. Roubar é feio. Desculpa.

Inês, que falas francês e que tens um gatinho maltês, o tempo é um dromedário, um otário.

 Não lhe ligues!

 Suga-lhe todas as milésimas de segundo que conseguires e foge. Corre com força.
Deixa-o na penúria, amor. Vamos ejacular vida à frente dele. Vamos pô-lo velho, com disfunção eréctil.

Eu “sobrevivi-lhe”. Mas ele fez-me a vida negra. Disse-me que esquecer alguém requer…tempo. E eu contei-o. Hoje, trinta e sete biliões e dezassete “ tic tacs” depois, aprendi que o tempo exige de volta tudo aquilo que dá. Durante o desmame, sofri na mesma medida em que amei…

Amor com desamor se paga.

Tranquila, Inês. Está exorcizado!

Fiz o parêntesis para que percebas quem sou. Estou fragmentado, é certo. Subdividido até. Há pedaços do meu eu que já não me pertencem. Ficaram noutras paragens.

Hei-de falar-te de mim com mais pormenor mais à frente. Vou falar-te da minha primeira namorada, que era baixinha e que, quando se empoleirava em mim, parecia uma macaquinha.
Mas em bonita. Em  muito bonita...

Hoje, já não é a mesma. Essa primeira namorada que tive, Inês, ficou sentada num banco da escola. Para mim, mesmo não tendo, ela ainda tem a madeixa amarela e um diâmetro de rabo grandinho.
Hei-de contar-te que ainda era um menino com quilómetros de cabelo quando chorei por essa menina se ir embora…

Tranquila, Inês…Isso ficou no século passado.

Depois, meses mais tarde, para não abusar da sorte, hei-de falar-te da última namorada que tive. Última não. A última vais ser tu.

Tinha um sorriso tão bonito, tão bonito que, até Deus, num intervalo entre “améns” e ” seja feita a Vossa vontade”, ficou corado a olhar para ela. Deixou de ser omnipresente e passou a estar presente só onde ela estava. Sim, Inês, isto não é boato. Por ela, Ele esquecia o celibato. Eu entendo-O.

(esta parte não te vou contar)

Tranquila, Inês.

É contigo que quero pintalgar e sarapintar a vida. Literalmente.

Havemos de vestir um fato-macaco de ganga coçada e colorir as paredes da nossa vida. Azul, amarelo, bordô, cor-de-laranja, violeta. Tu mandas, minha Julieta.

Faremos um intervalo sempre que se justificar. Justificar-se-á com frequência, tenho a certeza.
 Afinal, o hipotálamo pôs-te a par de tudo…

Há pouco disse que estava subdividido. E estou. Não estou é dividido.

Prometo-te que jamais serás um hiato. Houve vida e vidas atrás de ti. Ainda bem.

À tua frente, ninguém.

Não te iludas, porém. O meu amor por ti não é maduro. Não é estável. Não é tranquilo. Raios partam esses amorzinhos macrobióticos.

Inês, não tenhas medo. Eu e tu e chega.

Ou melhor. Eu, tu e mais três.

Ah…e o gato maltês!