quinta-feira, 10 de junho de 2010

POR ELA...



Era ele contra o mundo.

De peito feito, driblou o Oceano Índico, fez um túnel ao Canal da Mancha, aguentou a carga de ombro da Faixa de Gaza, uma finta de corpo às pirâmides de Gizé e, sem nada saber de Geometria descritiva, meteu-a bem no ângulo obtuso da Fontana di Trevi...Já está!
Agora é correr, transpirado, com os braços no ar, tirar a camisola nos jardins da Babilónia e abraçar a canalha, que corre atrás dele.

O mundo dizia não, ele dizia sim. Com uma basuca apontada ao bolbo raquidiano, lá poderia vir um "talvez". Um não, nunca.
O mundo dizia esquerda, ele ia para a direita. O mundo ralhava-lhe, e ele, maroto, dizia que tinha uma lateralidade mal resolvida, com Complexo de Édipo. O mundo coçava a cabeça, mostrava as linhas da testa e ia à vida dele. Se é que tinha uma.

Volta e meia, o mundo retinha-lhe na fonte os beijinhos que dava à amada. Quando eram de língua, tributava mais dezassete por cento.
Andavam sempre às turras. O mundo queria cinzento, ele aparecia-lhe com azul turquesa. O mundo dava-lhe uma folha de papel cavalinho A-3 para ele fazer uma linha. Ele fazia uma espiral.
"Ziguezaguiantíssima".

O mundo ia atrás dele, mas tinha asma. Nunca o apanhava. Ofegante,cheio de catarro, de mãos nos joelhos e com o indicador para trás e para a frente,o mundo, em desespero de causa, dizia-lhe que o caminho era uma seta de um só sentido. Ele, às gargalhadas, dizia-lhe que só não o mandava para aquela parte, porque isso era bom. Como segunda escolha, mandava-o para o raio que o parta. Que tem mais roupa e transpira menos.

Às vezes, muito raramente, era o Mundo que se ria dele. Um riso despovoado de molares e incisivos. Mas, verdade seja dita, isso não lhe roubava a auto-estima.

O gatuno, dessa vez, tinha-lhe roubado a cara-metade. A cara-metade não, parece-me uma hipérbole. Híper exagerada. Isso seria um insulto a metade da cara dela. Ela não merece que lhe adicionem treze centímetros ao nariz nem que lhe exturcam cinquenta por cento do sorriso. Ai o sorriso...Ai o sorriso. (não havia necessidade de repetir, é tique)

O larápio ganhou a batalha. Dez a zero. Capote.
Foi mais forte tacticamente, há que reconhecer. Apanhou-o com faringite e anulou-lhe as unidades.

Ele anda tristinho, anda por aí ao pé-coxinho, coitadinho. O mundo propõe-lhe armistício. Ele diz que isso não é propício...

É crente. Não em Deus. Nas palavras.
Mistura-as. Veste-as com roupa de domingo, põe-lhe uns suspensórios e borrifa-as com água-de-colónia, no pescoço e no pulso. Acha que é por aí.
Mas não, é por ali.
Esquece-se que só escreve quem vive, como alguém gentil lhe disse...

(faz-te à vida, pá.)

Pousa a pena. Resigna-se, o morcão.

Não, nada disso, falso alarme.
Recupera a pena.
Ao que parece, embora se veja mal daqui, está a friccionar-lhe o "corpo" e a expirar-lhe para o bico. Faltava-lhe carga.

Liga para o mundo. Está ocupado.

Volta a tentar. Está desligado.

Uma última vez. Bateria descarregada.


Corre. Corre como um desalmado. Fraldas por fora, cordões desapertados, tropeça. Levanta-se. Levanta-se não, ergue-se.
Desgrenhado, chega ao pé do mundo e, prosaicamente, diz para ele ir propor armistícios ao paizinho dele.

Diz-lhe que está vivo.

O mundo,igualmente fraldiqueiro, goza-o. Agredece-lhe o facto de ter atravessado rios e mares para lhe dizer que está vivo. Diz que um mail era suficiente.

Ele, de peito feito, como dantes, faz ver ao mundo que lamenta que ele não perceba metáforas...

O mundo coça a cabeça e pergunta-lhe o que são metáforas.

Ele ri-se. Diz ao mundo que, por Ela, vai ao fim do mundo.
Volta a dizer-lhe que está vivo...E que vai voltar a ter abraços.

Dela.