domingo, 21 de novembro de 2010

"ROMA QUE ESTÁS NO MEIO DE NÓS"


A ti, grande amor da minha vida…


A vida separou-nos.

Cada um para seu lado, já chega!

E lá fomos! Cada um para seu lado. Eu para a esquerda e tu…bem, tu não sei!


Passaram-se 22 anos, fez ontem oito dias!

Queres saber de mim?

Não há muito a saber, sabes.

Metade de mim ficou naquela década! A metade mais bonita, a que ainda tinha cabelo.

Da outra não sei. Dizem que é filha de pai incógnito…


Soube que morreste há dois meses, na sexta-feira Santa. A Adelaide contou-me. Fiz-te o luto duas vezes. Sem nunca o ter feito.

Lá, no nosso canto nono, na Ilha dos Amores, chamavas-me picuinhas por te querer tanto. Às vezes lá diversificavas o léxico e chamavas-me Adamastor. O teu monstrinho. Rias, fungavas, soluçavas, rias…

Cheiravas a um cheiro que me velejava e desaguava, outra vez, nas águas mansas da minha mãe. Antes de rebentarem, claro.

O teu cheiro era o meu pai. E a minha mãe. E eu, pequenino, no meio deles. Lá fora, relâmpagos e “Jesus a ralhar”. Não faz mal…

Cheiravas a um cheiro que me excitava. O teu cheiro mexia com o metabolismo do meu baixo-ventre. Sem ninguém lhe mexer…

Sabia-te de trás para a frente, da frente para trás e na ponta da língua…As tuas mãos, os teus pés, o teu ventre, as tuas feições -as teatrais e as reais- os teus dedos, os teus medos…

Fui fraco. Metamorfoseei-me por tua causa. Não pela minha. Pela tua causa.

Escorreste-me, dedos abaixo…

Amor, o tesão foi substituído pela erosão. Saiu de maca, antes do intervalo. Coitadinho…

A Mafalda tem razão. Nem tudo o que parte se volta a colar. E tu descolaste. E eu vi-te partir.
Fui cobarde. Fui covarde.

A dupla grafia da palavra foi inventada a pensar em sujeitos como eu…O único dedo que mexi quando me pediste asas para voar, foi o do meio.

A vida, no tempo em que a tinha, chegou a fazer claque por nós… Eu ouvia-a. Os bruáaaas, os cânticos, as coreografias, a onda, a cada olhar que trocávamos.

A cada olhar, porque o silêncio, às vezes, é um fala-barato. Diz mais do que a boca. Diz mais do que um corpo, a gritar, histérico, por outro. O silêncio tem sempre a palavra certa. A que rima.

Fiquei sem vida bem antes de ti.
Tu só morreste. Grande coisa!! Nada de original, amor. Toda a gente morre.

Eu não. Eu fiquei sem vida. Chafurdo, como e durmo. Mal.

Dou chi-corações às recordações, também…São tudo o que tenho.

Itália, 1967, Julho, calor, gira-discos e Gianni Morandi,  tu de minissaia, tu de sandálias, tu de dentes brancos, tu de olhos esbugalhados a beber da Fontana di Trevi, tu e o teu rabo de ninfeta em cima da lambreta, tu a correres, tu de pernas esguias, tu a queixares-te do coliseu, que era um camafeu, tu, tu, tu, tu, tu….foste sempre muito mais do que uma segunda pessoa.

Eu, católico apostólico romano, tu ateia, mas romana, tu viajante, eu eremita, tu, meias calças às cores, eu, calças de vinco, tu lantejoulas, eu Plazza navona, tu Michellangelo, eu Capela Sistina, tu, Rafaello, eu pouco belo, tu Vénus, eu Cupido…

Pedi-te, treze vezes, para vires comigo ver o Papa. Disseste doze vezes que não.

À décima terceira, disseste sim à primeira.

Praça de S. Pedro. Fiéis e lenços brancos. O Papa. Em uníssono, milhares de gargantas cantavam o Padre nostro che sei nei cieli. Dois segundos depois do ámen, lambuzada de stracciatella, levantas um cartão .

Tremo. Não quero olhar. Conheço-te de ginjeira...

Signor Papa, Ciao, come stai? io sono qui solo perché io amo troppo questo ragazzo. Altrimenti non sarebbe mai. Abbraccio.


Olho. Traduzo.
“Senhor Papa, olá, como está? Eu só estou aqui porque amo muito este rapaz. Caso contrário jamais estaria". Um abraço.

O Papa tosse. Pede uns binóculos ao Cardeal que está mais à mão.

Os fieis murmuram.

Dá-me uma cólica. Vou de moreno a branco em um vírgula sete segundos...

O Papa aponta-te o dedo. A cólica agudiza-se.

- “Irmã, se não queres estar aqui, não és obrigada”

- Senhor, o seu Deus não diz que temos de fazer sacrifícios? Ei-lo…


Silêncio…

Mais silêncio…

Bocas abertas...


Silêncio ensurdecedor. Confrangedor...


O Papa sorri.

A seguir ri.

Depois desfaz-se em gargalhadas.

A cólica ameniza.

- Amo-te.

- Amo-te

A cólica vai à vida dela.



Sabes, recordo os silêncios que partilhámos, recordo o teu choro e como ele me corroía, recordo Roma, recordo-nos a imitar  Baco, e da nossa voz a seguir ao vinho tinto, recordo o coração que outrora tive, a galopar sempre que te via, recordo o sabor a tangerina que a tua boca emprestava à minha…

Meu grande amor, é inútil. Não te consigo catarsar. Vou continuar a definhar. Viver, jamais. Isso fica para os demais.

Li, pela pena do teu escritor preferido, que o sofrimento que se segue à perda de um amor, é proporcional ao amor que existia.

Percebes?

Descansa em paz.