segunda-feira, 7 de março de 2011

DEUS EMIGROU...

 
 
Pum catrapum. Pum catrapum.


Deus emigrou. Foi em busca de melhores condições de vida. Desejo-lhe o que desejo para os meus. Saudinha. Que é o que é preciso.

Não estou triste. Nem contente. Nem assim-assim.

Deus nunca imigrou para dentro de mim.

Talvez por razões meteorológicas. Talvez por dificuldade em obter visto de trabalho. Talvez…

Eu pari-me a mim mesmo.

O processo não envolveu espermatozóides, óvulos, contracções ou bofetadas no rabiosque, é certo. Mas eu pari-me. Com uma mãozinha tua, claro!

Outrora, fui cinzento. Fui de um bege claro sem sal. Também fui castanho-orfão.

(Sou daltónico, amor, mas estas cores não vêm no arco-íris, pois não?)

Antes de ti já tinha o cabelo erecto. Já tinha asma por não me terem apresentado o mundo pessoalmente. Antes de ti já sonhava com os géisers da Islândia.

À minha vida acrescentaste arrepios. Não de frio. Aliás, não sei de quê ao certo. Nem me interessa.

Acrescentaste, sobretudo, banda desenhada. Sim, isso mesmo!

Subtraíste-me anos, endireitaste-me as costas e deste-me a tua mão de dedos fininhos. Entrelaçaste-os com os meus e sorriste. Inspirei e expirei. Alguém tocava piano, baixinho, dentro de mim. Voltei a inspirar e voltei a “bufar” tudo cá para fora. Desta vez fechei os olhos.

Arrepiei-me.

Tu sim. Imigraste para mim. Juro, pelas alminhas, que não sais daí.

Trato-te com pinças. És delicada, pois claro.

Eu e Deus somos uma antítese. Ele nasceu com direitos adquiridos. Eu não.

Sabe tudo, sabendo. Nunca queimou uma pestana. Não sabe o que é estudar Direito Administrativo. Nunca teve de decorar a fórmula química do azoto. Assim também eu.

Isso irrita-me, mas só até certo ponto. O que me deixa fora de mim, amor, é o facto de Ele estar em todo o lado. Eu que saiba que Ele te anda a ver nua. Eu que saiba…

Meu amor. Sim, Tu, é para ti que falo, sempre. Tu, que dizes que gostas de me ler, tu, que dizes que os meus olhos não mentem, fica sabendo que estás enganada.
Os meus olhos são uns deslumbrados. Mentem com quantos dentes têm. E têm todos…

A vida é como diz o Miguel. Uma boa merda. Às vezes é boa. Às vezes é uma merda.

É uma isotopia. Não tem meio termo.

Atiça-nos. Mostra-nos os seios, desenhados a compasso. Seios de trezentos e sessenta graus.
Muito arranjadinhos.

Depois, bovina, diz que nós não fazemos o tipo dela. Ou porque temos um nariz oblíquo, ou porque, iletrados, não conhecemos o idealismo metafísico de Kant.

Põe os teus olhos nos meus. Fixa-os. Se os meus começarem a fugir, corre, com os teus, atrás deles.

Vês agora?

Tudo fachada, amor. Além de um castanho vulgar, o que vês, são uns olhos que vivem acima das possibilidades. Gastam mais do que ganham. Um dia destes, a uma terça, que é o dia que gosto menos, a vida vem aí e hipoteca-me os sonhos.

Tenho-te a ti. O meu Oceano Pacífico, onde flutuo e apanho sol quentinho na cara. Tu és tanto.

Mas…

Tenho medo…

Tenho chiliques. Amiúde, chegam a ser fanicos. Falta-me o ar.

A vida inverte o sentido da marcha sempre lhe apetece. Conduz mal, não é de fiar.

Mostra-te o norte, diz-te que é lindo e que cheira a rosas. A seguir, tira-to e espeta-te com o sul. É uma rosa-dos-ventos intrujona.

E mais…

A vida tem um léxico que mete pena. Apetece dar-lhe esmola, pobrezinha!

- Isso não que é pecado. Isso também não. Também é pecado.

- E isto?

- Pecado…

- Aquilo?

-Pecado…

- Isso?

- Pecado…

Sua misantropa, sua macambúzia, sua sorumbática, com muitos etceteras…


E Deus?

Emigrou. Para não se tornar ateu.


Gosto tanto, tanto de Ti. Tu és o mais próximo que estive de Deus.

Deus acontece quando fazemos coisas pouco católicas, por exemplo.

Acontece quando Te dou mel para a tossinha, que nunca mais passa. Acontece quando puxo a barriga para dentro e Te pergunto se estou mais gordo e tu, às gargalhadas, mandas-me para aquela parte.

Deus é quando ris para mim.

Temos pathos, ambos. Damos muitos beijinhos. Com a língua, com saliva, com lábios, com suor, com nariz, com lágrimas. Isso, ninguém nos tira.

Baixa-te amor, quando a vida vier com balas e bazucas. Agarra-te a mim. Com força. Com toda a força que tiveres. Mas não mostres medo.

Ela é um espantalho, um espanta-pardais. A nós não engana.

Dela, gosto da parte boa. Da que nos apresentou...