
Ponto prévio...uma boa noticia para si, leitor…Prometo ser breve
O Porto é, dogmaticamente falando, o local mais encantado do planeta
( fala-vos alguém que, dos 196 países do mundo, já visitou…2…ou melhor, 1, a Inglaterra…porque ir a Vigo não conta…)
Se tem apenas um conhecimento vago sobre o Porto, disponibilizo-me, desde já, para ser o seu cicerone …Então aqui vai…
O Porto tem casas, supermercados, estradas, um rio com água, pontes, escolas e alguns t3 com vista para o mercado abastecedor…
Então? Ficou ou não extasiado com a descrição detalhista?...
Não se iniba em demonstrar o seu espanto…Solte aquela interjeição barra palavrão começada por “F,” e para a simbiose ser perfeita, complemente-a com a siamesa que principia por “C” …esteja à vontade…Não se preocupe com pudores! Ninguém se vai melindrar …Estamos no Porto!
A profissão mais difícil do mundo é ser guia da cidade do Porto! Simplesmente, não é possível… (Sem querer pôr em causa a sua capacidade persuasiva, permita-me duvidar do seu sucesso se optasse por dar seguimento à sua vida, vendendo camisolas de gola alta na praia da Aguda, em pleno Agosto…Ser guia no Porto é mais ou menos isso…só que mais difícil)
O Porto não tem nada de especial! (Espere…não me insulte já)
Se for turista e quiser fazer um périplo de 2 ou 3 dias pelo Porto… não o faça!
O trânsito é caótico, os nossos eléctricos, embora bem arrumadinhos, não têm o romantismo dos da capital e, se quisermos ser justos, falta-nos, por exemplo, a tristeza poética de um Chiado ou de uma Madragoa… e a torre dos Clérigos nem sequer foi a obra mais bem conseguida do Nasoni…
Aqui, fala-se mal…escancaram-se as vogais e assassinam-se ditongos …
Já ouviu a palavra (?) “máinhe”?
Esteja à vontade para não acreditar mas, veja lá bem, que este "homicídius linguaes", significa… “Mãe”
Vá a Óbidos ou a Vila Nova de Mil Fontes…é mais giro!!
Eu sei que a palavra “alma” é de uma subjectividade brutal…Eu não posso obrigar o leitor a gostar ou a sentir algo que não seja visível a olho nu…é até absurda tal pretensão …! Mas, lanço-lhe um repto... se alguma vez quiser fazer uma tese de Mestrado ou um Projecto de Investigação sobre o tema, poupe algum dinheiro, instale-se durante um mês numa das muitas pensões da Invicta e deambule…deambular será suficiente para lhe dar aquilo que nenhuma “montanha bibliográfica”, por mais filtrada que esteja, alguma vez o conseguirá… O Porto não vem nos livros!
Ainda se lembra da parte em que lhe disse que o Porto não tem nada de especial? Peço-lhe desculpa…Há 3 parágrafos atrás eu tinha problemas de álcool…
O Porto não é nenhum Adónis… não é, de todo, um metrossexual que hidrata a pele do rosto e escanhoa os pêlos do nariz …O Porto não veste Prada…nem sequer Zara!…e a última vez que foi ao ginásio foi no intervalo das invasões Napoléonicas…
Ainda bem que o Porto, o meu Porto, não é um bibelot macrobiótico, acrítico, de rosto pálido e robótico…Aqui, não se "maquilham" emoções e não são usados preservativos nos sentimentos…Os sentimentos são alérgicos a latex...são um assunto demasiado sério para não serem sentidos na sua plenitude…
O Porto não põe bottox no sotaque (…o sotaque feio…mais bonito do mundo)
O Porto faz amor com os palavrões…é um Kamasutra de afectos…é o coração de D.Pedro IV, 31 de Janeiro e um comício do Humberto Delgado...
Aqui, por enquanto, ainda vale mais ser, do que parecer…(Perdoem-nos o atraso civilizacional…)
O Porto...O Porto vai para os jardins do palácio ouvir Ottis Reding e chorar, às escondidas, por Lisboa...amam-se!…sem querer...mas amam-se!
shiiuuuu...é segredo!
O Porto é possessivo…é a saia da minha mãe! Às vezes sufoca e chateia…
Esboça um leve e irónico sorriso quando decido partir, alegando querer conhecer o mundo …Ele sabe que volto…não me dá importância…
Parto…Arrependo-me antes de chegar à Ponte da Arrábida…Outra má decisão, a juntar a tantas outras …quero a saia da minha mãe outra vez…Não posso…é tarde e o Porto fica definitivamente para trás…
Chego a outras paragens…decido soltar-me das amarras do Porto…sinto-me patético por depender tanto de um sítio onde, por casualidade nasci…
Sou como os outros…deposito a alma num prostíbulo…digo que o Porto está muito fechado em si mesmo e começo a falar um português "escangalhado" em que o "burguês" "V" começa a substituir o telúrico "B"...(de baca)...sinto-me sujo, como uma viela da Rua Escura…com vergonha da minha sem vergonha…
A viagem não me devolve o quotidiano alegre…Nunca chego a desembarcar de mim mesmo…
Tenho saudades das inutilidades úteis...Sinto falta do vento pungente e da hulha da minha gente...
Durmo…tenho erecções…primeiro com o Bolhão, depois com a noite de S. João…
Acordo a chorar...
Aproveito o excesso instantâneo de lucidez e decido voltar para de onde nunca saí…
Passo a Ponte da Arrábida...olho para o rio e temo que me engula…
motivo? Traição!!
Assim mesmo...sem meias palavras!
…Saio incólume e… lá está o Porto …O mesmo… mas diferente…
Com a testa franzida, pergunta-me como é o mundo... como são as cataratas do Niagara,o Forte de Mombassa e os poemas do Frank O`Hara...
Depois, pretensioso, pergunta-me quem é que eu quero enganar...
Encolho os ombros estreitos, baixo a cabeça, e aceito a evidência…sou patético…não consigo ,nem nunca irei conseguir, deixar o sítio onde por casualidade nasci…
Se decidir vir ao Porto, seja justo com Ele e fique, no mínimo, 10 dias…e livre-se de recorrer aos serviços de um guia…Por melhor que ele fale da fantástica obra arquitectónica que é, por exemplo, o edifício da Câmara Municipal, ele vai reduzir o Porto a pedra…
E o Porto não se vê….