domingo, 20 de novembro de 2011

É por aqui...








Voava só para te olhar. Cheio de vertigens, abria os braços e lá ia eu. Passava o norte. E o centro. Chegava ao sul, fechava os olhos e fosse o que Deus quisesse. Podia ser que não partisse o molar e o siso inferior, na aterragem. Valia a pena...

Pessoa "x", aliás, pessoa "y", a quem vou dar o nome de Ana, estou em crer que tenho as tensões altas por tua causa. O médico disse que era do sal. Está enganado. É estagiário.

Ana, a vida é nada. ( Já é alguma coisa. Antes ser nada do que não ser coisa nenhuma.)

Mas…

Tu, com as tuas vogais fechadinhas e com a tua mania estranha de dizeres os “V´s” nas palavras onde se devem dizer os “V`s”, deste-me asas.

Calma, não sou anjo. Os anjos não têm sexo.


O teu Deus – aquele em quem não acredito, mas de que estou sempre a falar – anda a brincar à cabra cega comigo. Mandou-me para “aí” para me mostrar que eu pertencia “aqui”. Diz-Lhe, por favor, que aos trinta e tal anos, há outras brincadeiras que aprecio mais. Jogar ao elástico, por exemplo! Ou ao um dois três macaquinho chinês!


Ana, embora seja raro, cheguei a uma conclusão. E por mais que Ele troveje, sabe que tenho razão: Eu não sou “daqui” nem “daí”. Muito menos de “acolá.” De acolá, jamais”.


Eu sou de Ti.


Repara, eu sou mesmo de Ti.


E aí, que é em Ti, há sol e vento moderado de sudoeste. Aquele fresquinho de noite de verão. Em Ti não há golas altas nem camisolas grossas que picam um indivíduo.


Não sou natural de Ti, não senhor!



Nasci aqui. Neste ponto cardeal, talvez ocidental.


Bússolas e escalímetros é mais contigo! Todavia -porque todavia é uma palavra que acresce alguma formalidade a uma prosa que usa crista e chinelos de meter o dedo-, as tuas coordenadas eu conheço. De cor!

Temos a nossa folhinha de oliveira, meu Amor. Guarda-a bem. A minha nunca mais vai sair de onde está...

Quando chego a Ti, ponho chicla de limão na boca, deito cheirinho no pescoço e levanto as golas do casaco. Azul, sempre. É o que dizem...

Quando chego a Ti fico com taquicardia. Fazes-me mal ao coração. Trinta e sete mil trezentos e trinta e três batimentos cardíacos por minutos não é saudável por aí fora. Faz melhor comer legumes e frutinha…


Mas…


Pouco me importa.Ou melhor, não me importa nada! Ele que bata. Não te sei amar devagarinho. Não te sei amar assim-assim. Não te sei amar como um domingueiro. Ana, raios me partam se alguma vez te amar na "medidinha" certa.Tu avisa-me. Raios me partam!


Não tenho tempo. Tenho de correr. Estou atrasado. Ainda há tempo, mas... não te posso amar devagar. Isso não. É a minha forma de nos respeitar!


Posso até falecer amanhã. Se bem que era aborrecido, na medida em que há coisas de que gosto mais. Falecer envolve logística e burocracia. E confesso que papelada não é coisa que adicione centímetros ao meu baixo-ventre. Aliás, subtrai.


Mas sabes, ia ter pena! De mim. Quero viver-Te!


Tu, que estás sempre alerta, escuta. Trouxeste-me de volta o natal. Em Agosto. Em Belém. Não naquele onde nasceu, por obra e graça do Espírito Santo, o teu Jesus.


Aquele Belém em que tu, com meio pastel de nata enfiado na linha que separa os dois dentes da frente , me disseste que eu te fazia rir.


Grato. A ti e ao Martim Moniz! Parecendo que não, dá-me jeito que, sendo, não sejas Moura. Há procedimentos que nos iam atrapalhar. E eu nunca fui bom a francês....


Sabes Ana, que estás longe, que estás perto, que vives em mim, em todos os meus andares, somos sem sermos para ser. Não éramos suposto. Somos por lapso.


Mas somos. E ser é raro. Tão raro como o teu clube ser campeão.


Fico com asma quando me venho embora de Ti. Aqui, de onde sou natural, diz-se sufeca.


Lembras-te do senhor que pica os bilhetes no comboio me ter ralhado por eu não respeitar as regras de segurança e ter aberto as portas para te dar mais um beijo quando o comboio começava a deixar a gare?


Perguntou-me se tinha a noção do que tinha acabado de fazer.

A seguir perguntei-lhe eu se ele tinha noção do que tinha acabado de dizer.

Eu sei, amor, eu sei que ele estava a fazer o trabalho dele, mas passou-me pela cabeça agredi-lo. Mas depois passou-me pela cabeça que, se calhar, não o devia agredir por ele estar a fazer o trabalho dele.


Optei por não o agredir.

Gosto de ti.


Não te preocupes com o caminho. É por aqui. Dá-me só a tua mão. 


Oupa! Vamos.


domingo, 28 de agosto de 2011

OLÁ, RITA!

Olá…


Olhos verdes. Não me engano.

Sou bem-vindo de volta a mim mesmo. Obrigado.

Ensinaste-me o caminho.

“Chegas à rotunda, invertes o sentido da marcha, passas por um atalho onde antes tinha um STOP, segues em frente mais ou menos trinta e sete metros e o teu norte está ali, vês? O teu norte está a sul.

Grato.

Sabes, o novo mete medo. Obriga-te a dormir com a luz da mesinha de cabeceira acesa. O novo é um papão com soutien encarnado, 34, copa B.

Repara: Encarnado, não vermelho.

Não me metes medo.

Tu cheiras a mentol. Sabes a chicla com canela. Sabes quem foi o Ésquilo, sabes latim, declinas, de fio a pavio, do genitivo ao dativo e sabes de cor as estrofes da Odisseia. Que bem que ficava aqui uma rima emparelhada, depois de odisseia, a dizer que és uma sereia.

Nem pensar. Gosto muito das tuas pernocas.

Ouço-te rir e é Dezembro. Fico quentinho, sabes.

Escuto o teu sotaque, primeiro. Só depois ouço o que dizes.

Desembarco em Creta quando ouço os teus “É´s”. Sou um indivíduo estranho, desculpa.

Apaixonei-me pela tua vogal. Amo-a. Não tarda e peço-lhe a mão. E o resto. Sim, ao teu “E”.

Ouve. Aliás, escuta.

Os meus olhos continuam castanhos. Têm íris, pupila e córnea.

Mas já não têm olheiras. Foram à vida delas.

Até nunca, papos na pálpebra inferior!



És Tejo. Porque és grande como ele.

Também és pequenina. Dás-me pelos ombros. Ficas olhos nos olhos com o meu coração.

Ele estranha-te. Não é por mal. É por bem.

Não o leves a mal.



Tirei uma fotografia às tuas sabrinas. Lembras-te? São cinzentas. Ou lilás. Tanto me faz.

São bonitas. São do caminho. Como tu.

Sabes, eu também sou do caminho. Não tenho um Deus ou um santinho, mas sou do caminho.

Encontrei-te a meio. Transpirava muito. Tinha cãibras na tíbia e dor de burro no sítio onde se tem dor de burro. Tinha sede. Tinha a boca seca.

Dou meia volta. Desisto!

Merda! (No sentido não literal, claro.)

Dei-te uma turra quando me virei. Ias para baixo e eu para cima.

Deste-me água. Saraste as minhas feridas. Com muito jeitinho.
És linda...

- Sou a Rita. Muito prazer.


- Obrigado.


(Ris da minha estupidez.)


- …


- Desculpa. Sou o Tiago. Muito prazer.


- Obrigada, também.


(Rio. Tremo)

Dizes que tenho um sorriso bonito. Deixo de ser ateu.

Pedes-me para ir contigo. Faço uma tatuagem de Deus no abdominal. Que outrora tive.

Dizes, feliz, que abro as vogais. Eu digo que tu as comes.

Dizes que não.

Dizes que são “quatr`horas”. Digo “estás a ber?”



Quase não saímos do sítio, ainda. Demos meia-dúzia de passos, no máximo. Nenhum de nós sabe ao certo o caminho. Pode ser que seja por aqui...

Tu trouxeste-me o Natal. Aquele de quando era pequenino.

Rita, somos propriedade comutativa um do outro. Eu mais tu é igual a tu mais eu.

Quero ver-te muitas vezes. Aliás, quero ver-te o triplo da raiz cúbica de um trilião. Não, esquece, é “poucochinho”. Quero ver-te sempre que tu me queiras ver. Assim é mais justo.

Pouco me interessa se ficas com um bocadinho de pastel de nata entre um molar e um incisivo, se escreves Majestic com “g” ou se achas a Torre dos Clérigos um camafeu.

Se calhar, e se não for pedir muito, pedia-te só para fazeres o obséquio de, de vez em quando, respeitares os proibidos. Já não digo sempre. Dois em cada quatro, por exemplo. Já não era mau.


Bem-vinda a mim. Fica o tempo que quiseres.

Reticências.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CARTA A CAROLINA...


Estás a ver as ondas que tocam na areia molhada e depois vão devagarinho de volta para o Oceano? Se calhar é só a mim, mas parece-me sempre que estão a pedir socorro. Enfincam as unhas na areia mas perdem sempre. Ninguém as acode, coitadas!


Desculpa-me a imagem. É trágica de mais. Nem tu és a areia nem eu as ondas. No máximo, ter-me-á passado pela cabeça que pudéssemos ser o salva-vidas um do outro. Repito. No máximo.

Adiante.

Escrevo-te porque sim. Haverá outras razões, se calhar.

É Agosto, não as vou desmontar. Nas férias sou só um guardador de rebanhos. Ajudo o pastor nas folgas dele.

Vou brincar um bocadinho à literatura. Senta-te e masturba-te com o meu talento. Escuta. Mas com olhos de ver. “ O amor é uma merda”.

Gostaste do pragmatismo? Sabia que sim.

Por esta luz que me alumia, Carolina: Tu foste a viagem que eu sempre quis. Em ti subi à Torre Eifell, em ti marquei um golo de pontapé de bicicleta ao Benfica, em ti fui Nobel da Paz, em ti, sua giraça, flutuei nas águas quentinhas de Mombassa. Com bóias, claro.

Depois veio a parte feia.

A aterragem.

Foi difícil, sim senhor. Falhou qualquer coisa. Não sei o quê ao certo. Não sou muito bom a mecânica.

Sabes, cheguei a ser mendigo de ti. Era como se estendesse a mão quando tu passavas. Pedia-te esmola. Em amor.

Dizias que não podia ser. Para eu ir trabalhar que tinha bom corpo.


Já não sinto a tua falta. Despeço-me de ti aqui. Olha vê:

“ Carolina,


Espero que esta carta te encontre bem.


Já não me dói a garganta quando engulo. Os teus abraços já não me arrepiam. Já ouço a faixa 9 sem me lembrar de ti.


Posto isto, e pelas razões supracitadas, o meu coração manda-me dizer que precisa de outro desafio.


Mais informo que foi um prazer.


Os meus melhores cumprimentos.
Tiago




A carta vale o que vale. As palavras valem o que valem.

As palavras têm o nariz grande. Aldrabam. São prostitutas. Gemem e a seguir perguntam-te se vais demorar muito.

De ti, além do cheirinho a hidratante depois da praia e outras infinitas coisas, levo taquicardia. Grato pelos três mil batimentos cardíacos por minuto.

Carolina, que rimas mais ou menos com tangerina, o amor é muito bom rapaz, mas não aprecia que o façam esperar ao frio. Há coisas de que gosta mais.

Estou triste. Tenho tiques, agora. Olho duas vezes para trás a cada cinco segundos. Dizem que é dos nervos.

Mas não. Pode ser que andes por aí. Nunca se sabe.

Gostava de te entender. Sei lá, podias ser como a área de um triângulo. Salvo seja. Mas eras mais fácil. Base vezes altura a dividir por dois e estava encontrada a solução. Carolina é igual a “a” mais “b” ao quadrado.

Assim não. Tens demasiadas equações, fracções, números primos e complicações.

Desancorámos um do outro. Foste sempre de nortadas e trovoadas mas eras o meu Oceano Pacífico.

Sou um capitão de merda. Perdi-me no mar alto e só conheço a tua rota.



Alto…

O mar está a respirar fundo devagarinho. Adormeceu. Shhh. Vou falar baixinho e pôr-me a andar antes que acorde.

Alto, outra vez.

A olho nu, parece-me uma mulher. Glúteos em forma de Pêra rocha, formas convexas onde tem de ser. E formas côncavas também onde tem de ser.

Coloco os binóculos.

Falso alarme…

Afinal não. É falso o falso alarme. Graças a Deus, ou ao primo afastado Dele, sou destrambelhado. Os binóculos estavam do avesso.

Confirma-se o olho nu. Adiciono-lhe só um olho azul. Ou verde. Ou cinzento. Dois, aliás.

Os meus - castanhos, raiados, caídos, pequeninos, murchos – ficam, em zero vírgula treze segundos, erectos.

Quer-me parecer que já não estou cativo de ti. Dá-me, de facto, essa ideia.

Rebobino a minha vida contigo, enquanto remo com os meus bíceps finguelas. para a ver ao perto.

Choro como um menino. Pior, choro como um adulto que parece um menino muito pequenino. Baba, ranho, outra vez baba e outra vez ranho.

Lembro-me outra vez dos teus dentes. Amo-os. Lembro-me de ti apaixonada e dos teus lábios besuntados de straciatella e pinacolada. Amo-os. Lembro-me dos teus seios bonitos de qualquer coisa copa B. Amo-os. Lembro-me do teu nariz, treze vezes mais pequenino do que o meu e bem mais redondinho. Amo-o. Lembro-me dos teus dedos, dos teus medos, dos teus segredos. Não faleço porque não calha…

Amo-te Carolina. Amo-te Carolina. Amo-te Carolina.

Amo-te mas remo. Cresce-me o músculo, remo com mais força, aos ziguezagues.

Está a trovejar. Vou-me embora de ti.

Desta vez não deixo o Código Postal. Desta vez, não…

Lembras-te da metáfora mal conseguida do início? Aquela estapafúrdia, da areia e do mar e não sei quê? Já não peço que não me deixes cair. Já não enfinco as unhas nos teus dedos. O meu chão, agora, é de algodão.

Ainda não. Mas há-de ser.

Sou capitão de mim mesmo. Eu é que mando.

Estou à frente do meu barco. De pé. Com as costas direitas.

Tu foste o melhor que me aconteceu.

Foste.

domingo, 22 de maio de 2011

Voa...


Houvesse uma ponta por onde pegar e eu pegava...


Fiz um tratado de paz com o meu coração. Apertámos a mão e, com treze nós na garganta, fomos à nossa vida. A que julgávamos ter…

Enquanto sarrabiscava o documento, lembrei-me de mim. Do meu eu de ontem.

A pista de aviação era minha. Toda minha. Corria, corria, corria, abria os bracitos e lá ia eu…e tu! Nas minhas asas, a rir e a rezar para que o vento não te "bufasse" o cabelo para os olhos verdes...

Hoje, cabeça no ar, já não sei do coração. Perdi-o.

Pensar em ti, hoje, não me faz bem. Fico com as tensões altas...

Penso em ti um bocadinho e faço-me uma contra-ordenação. Grave.

Penso em ti mais do que um bocadinho e piso todas as linhas contínuas do coração que, feito num oitocentos, descubro. Piso-as como quem apaga um cigarro…

Eu não era para ser. Sou, porque Deus, ou coisa que o valha, são imaturos. Os dois.

Bonito serviço, menino Deus...

Sabes, Beatriz, o meu coração veio com defeito. Para o bem e para o mal.

Precisava de ar. Não sei se de ar rarefeito ou comprimido, porque nunca fui muito bom a Inglês, mas precisava de ar, meu amor. E só tu, com as tuas bochechas gordinhas, sabias como o encher…

Fomos embora um do outro. Que maçada!

Disse-o há uns duzentos e dezassete caracteres atrás. Houvesse uma ponta por onde pegar e eu pegava. Juro. Por Deus. Ou por coisa que o valha.

Um dia fiz-te um barquinho de papel. Um bote, aliás. Também nunca fui muito bom a trabalhos manuais.

Meti-o no bolso do teu quispo, à socapa, e fui-me embora. Dizia assim:

Crida Bea,


Gosto do teu xeirinho. Gosto da bluza azul clarinha que trases oje ( ou rôcha, ainda não çei as cores) e da bluza de folhinhos que trousseste ontem. Gosto dos teus demtes de laite branquinhos e até gosto daquele que está a abanar. Gosto que não tenhas brincos. Gosto do teu narisinho peqenino sempre limpinho. Gosto cuando falas comigo e a tua bôca cheira a paxta dos demtes.É fresquinho.


Gosto da tua letra redondinha ( apezar de teres que melhorar no quê de quaquá maiúsculo). Gosto de te oubir ler aquelas palavras difisseis com um ror de sílabas. Sabes, gosto muito de ti e de estar á tua beira no recreio a comer sereijas. Obrigado por ontem me teres dado metade do teu pão com jeleia.


Tinha sete anos, Beatriz. E, mesmo com o quarteirão e meio de erros ortográficos, estas foram as melhores linhas da minha vida.

Neste balancé que é a vida, fui empurrado para o chão quando fiquei sem ti. Estou todo arranhado, meu amor. Puseram-me mercúrio no cotovelo e nos joelhos, mas não é aí que me dói!

Beatriz, que és actriz, que me fizeste feliz, que me fizeste infeliz, não sou mais o teu par neste guião. Sou ímpar, agora…

Morri na tua peça. Essa é que é essa…

A vida desceu-me as cortinas e o teatro está vazio. E escuro!

Mete medo, amor!

O futuro pôs-se a andar. O palerma!

Agora, nas noites de trovoada, durmo agarrado ao pretérito perfeito. Ele não me foge. Algemei-o...

Os mundos e fundos que trocámos, trocaram-nos as voltas. Meu Amor, eles mandaram-me procurar-te na linha do Equador, essa linha imaginária que divide o mundo em dois…

Estou fora de combate. Estou no chão. A imagem é turva e ouço, ao longe, o árbitro aos berros…
Cinco, quatro, três, dois, um….
Quero muito, mas não tenho força para me levantar. Durante a contagem decrescente, lembro-me de ti a beberes do meu copo, ouço-te a rir, ouço-te a chorar, vejo-te nua, vejo o teu ventre, inspiro o teu cheiro, guardo-o e recuso-me a expirá-lo, lembro-me de ti a dizer adeus…

Zeeero.

Ateu que sou, pedi a Deus para me dar uma mãozinha.

Estava a dormir.

Chato, insisti no apelo.

Virou-se para o outro lado.

Apesar de todo o respeito pelo sono divino, desesperado, fiz-lhe cócegas nas axilas. Primeiro desfez-se a rir. Depois gabou-me a perspicácia por lhe ter descoberto o ponto fraco.

A seguir, com muito cuidado nas palavras que escolhia, disse-me para te deixar ir…


Amo-te desde os dinossauros, desde o paleolítico, amo-te e ainda não se dizia “amo-te” . Amo-te desde o sensório motor, da lalação e do biberão. Desde a chupeta, minha Julieta…

Amo-te mal me acenderam o semáforo verde e eu saí, disparado, placenta abaixo…

Mas…

Eu percebi…

Voa, amor.

A tua Primavera não está em mim.

segunda-feira, 7 de março de 2011

DEUS EMIGROU...

 
 
Pum catrapum. Pum catrapum.


Deus emigrou. Foi em busca de melhores condições de vida. Desejo-lhe o que desejo para os meus. Saudinha. Que é o que é preciso.

Não estou triste. Nem contente. Nem assim-assim.

Deus nunca imigrou para dentro de mim.

Talvez por razões meteorológicas. Talvez por dificuldade em obter visto de trabalho. Talvez…

Eu pari-me a mim mesmo.

O processo não envolveu espermatozóides, óvulos, contracções ou bofetadas no rabiosque, é certo. Mas eu pari-me. Com uma mãozinha tua, claro!

Outrora, fui cinzento. Fui de um bege claro sem sal. Também fui castanho-orfão.

(Sou daltónico, amor, mas estas cores não vêm no arco-íris, pois não?)

Antes de ti já tinha o cabelo erecto. Já tinha asma por não me terem apresentado o mundo pessoalmente. Antes de ti já sonhava com os géisers da Islândia.

À minha vida acrescentaste arrepios. Não de frio. Aliás, não sei de quê ao certo. Nem me interessa.

Acrescentaste, sobretudo, banda desenhada. Sim, isso mesmo!

Subtraíste-me anos, endireitaste-me as costas e deste-me a tua mão de dedos fininhos. Entrelaçaste-os com os meus e sorriste. Inspirei e expirei. Alguém tocava piano, baixinho, dentro de mim. Voltei a inspirar e voltei a “bufar” tudo cá para fora. Desta vez fechei os olhos.

Arrepiei-me.

Tu sim. Imigraste para mim. Juro, pelas alminhas, que não sais daí.

Trato-te com pinças. És delicada, pois claro.

Eu e Deus somos uma antítese. Ele nasceu com direitos adquiridos. Eu não.

Sabe tudo, sabendo. Nunca queimou uma pestana. Não sabe o que é estudar Direito Administrativo. Nunca teve de decorar a fórmula química do azoto. Assim também eu.

Isso irrita-me, mas só até certo ponto. O que me deixa fora de mim, amor, é o facto de Ele estar em todo o lado. Eu que saiba que Ele te anda a ver nua. Eu que saiba…

Meu amor. Sim, Tu, é para ti que falo, sempre. Tu, que dizes que gostas de me ler, tu, que dizes que os meus olhos não mentem, fica sabendo que estás enganada.
Os meus olhos são uns deslumbrados. Mentem com quantos dentes têm. E têm todos…

A vida é como diz o Miguel. Uma boa merda. Às vezes é boa. Às vezes é uma merda.

É uma isotopia. Não tem meio termo.

Atiça-nos. Mostra-nos os seios, desenhados a compasso. Seios de trezentos e sessenta graus.
Muito arranjadinhos.

Depois, bovina, diz que nós não fazemos o tipo dela. Ou porque temos um nariz oblíquo, ou porque, iletrados, não conhecemos o idealismo metafísico de Kant.

Põe os teus olhos nos meus. Fixa-os. Se os meus começarem a fugir, corre, com os teus, atrás deles.

Vês agora?

Tudo fachada, amor. Além de um castanho vulgar, o que vês, são uns olhos que vivem acima das possibilidades. Gastam mais do que ganham. Um dia destes, a uma terça, que é o dia que gosto menos, a vida vem aí e hipoteca-me os sonhos.

Tenho-te a ti. O meu Oceano Pacífico, onde flutuo e apanho sol quentinho na cara. Tu és tanto.

Mas…

Tenho medo…

Tenho chiliques. Amiúde, chegam a ser fanicos. Falta-me o ar.

A vida inverte o sentido da marcha sempre lhe apetece. Conduz mal, não é de fiar.

Mostra-te o norte, diz-te que é lindo e que cheira a rosas. A seguir, tira-to e espeta-te com o sul. É uma rosa-dos-ventos intrujona.

E mais…

A vida tem um léxico que mete pena. Apetece dar-lhe esmola, pobrezinha!

- Isso não que é pecado. Isso também não. Também é pecado.

- E isto?

- Pecado…

- Aquilo?

-Pecado…

- Isso?

- Pecado…

Sua misantropa, sua macambúzia, sua sorumbática, com muitos etceteras…


E Deus?

Emigrou. Para não se tornar ateu.


Gosto tanto, tanto de Ti. Tu és o mais próximo que estive de Deus.

Deus acontece quando fazemos coisas pouco católicas, por exemplo.

Acontece quando Te dou mel para a tossinha, que nunca mais passa. Acontece quando puxo a barriga para dentro e Te pergunto se estou mais gordo e tu, às gargalhadas, mandas-me para aquela parte.

Deus é quando ris para mim.

Temos pathos, ambos. Damos muitos beijinhos. Com a língua, com saliva, com lábios, com suor, com nariz, com lágrimas. Isso, ninguém nos tira.

Baixa-te amor, quando a vida vier com balas e bazucas. Agarra-te a mim. Com força. Com toda a força que tiveres. Mas não mostres medo.

Ela é um espantalho, um espanta-pardais. A nós não engana.

Dela, gosto da parte boa. Da que nos apresentou...





domingo, 30 de janeiro de 2011

ERA UMA VEZ NA ÍNDIA...


Cabelo ao vento, língua afiada, perna esguia, sorriso só para quem merece…


Chamas-te Maria. Como a santa.

És virgem. Mas não como a santa.

Quando te vi, segui-te. Os outros, de quem não me lembro o rosto, quando te viram, seguiram-te. Eram muitos. Uns trinta. Ou quinhentos. Fizemos-te uma procissão. Como à santa.

Maria, de olhos grandes, muito grandes, que servem para me ver melhor. São castanhos. É-me igual, até podiam ser magenta. São para me ver melhor. Chega-me. E sobra-me.


Perdi os meus pais quando era pequenino. Não, eu não os perdi.

Eles morreram quando eu era pequenino. Os dois.

Era pequenino, mas não o suficiente. Se fosse um bocadinho pequenino mais pequenino, não me lembraria deles. Mas lembro.

E o vento assobia a treze mil quilómetros à hora a toda a hora no meu coração. E Jesus ralha no meu coração, com trovões maus e raios que raios os partam…No coração ou em outro lado qualquer. Sei que o vozeirão de Jesus e os agudos do vento me abanam, sei que me deixam a tremer, sei que me magoam. Fazem dói-dói, como eles diziam…

Passaram-se duas dezenas de anos, centenas de meses e milhares de dias e não perdem o pio.

Há dias em que sou sem-abrigo de mim mesmo. Estendo a mão e peço-me esmola. Para ver se passa.

Não passa.

Às vezes, sempre ao domingo, perguntas-me se tenho saudades deles.


-...
- Chora, meu amor. Chora tudo.

Descubro músculos no rosto de cada vez que choro. Estão duros, com as veias de fora. Levantam o haltere mais pesado. Sem fazer cara feia…

Fiz este hiato na tua caracterização porque eles merecem. O amor e o sofrimento entrelaçam as mãos com força. São gémeos. Falsos, mas gémeos.

Quanto mais amas, mais acabarás por sofrer. Dês tu as voltas que deres.

E sabes, isso é justo. O sofrimento mata-te aos bocadinhos, mas endireita-te a coluna. Dignifica-te. O sofrimento é uma forma estrambólica de amar. Porém, uma forma.

Mas…Maria dos olhos grandes, eu sou muito mais do que só isto. E mesmo quando sou isto, sou-o contigo. A fazeres-me festinhas. A estares em silêncio. A abraçares-me. A dizeres para eu chorar que me faz bem.



Maria, que tens a mania que és fina, posto isto, sou um homem feliz. Posto isto, sou um filho da mãe sortudo. Por um triz, mas um triz bem anãozinho, não acredito em Deus.

Deus estava a sair e eu a entrar. Não nos cruzámos.
Homessa!!

Maria, que tens dias que também não és flor que se cheire, nem na Papua Nova Guiné há uma história de amor mais bonita que a nossa.

Talvez na Índia, por trás do Taj Mahal, numa perpendicular à rua principal de Agra, nas margens do Yamuna, haja uma.

Não. Nem aí.

Aí só começou.

Agosto dava as últimas e o meu molar também.

Um autodidacta, com jeito para o alicate, ou não, o Kailash, dentista de rua, salvou a minha vida. Não a do meu dente. A minha vida.

Foi sentada numa cadeira que, a julgar pelo aspecto, rivalizava em idade com as Pirâmides de Gizé, que te vi pela primeira vez. Estavas de boca aberta.

O molar abanava e eu estava na fila, atrás de um octogenário que não parava de te olhar para o peito. Para os dois, aliás.

Abanei a cabeça em sinal de desaprovação. Entretanto, olhei também…E por lá fiquei!

Hindi, mais hindi, hindi a torto e a direito, afinal estava na Índia.

- Fooooda-se.

O dialecto não me era, de todo, estranho. À minha frente, tu. Cabelo anarco-sindicalista. De esquerda liberal, cada fio era um Karl Marx a berrar contra o capitalismo. O cabelo desalinhado, sem ponta por onde pegar, mais bonito do mundo. Era preto.

Uma ou outra sarda, pele morena, olhos castanhos. Grandes.

O Kailash acabara de te subtrair um dente. Um que estava bom!


- És portuguesa?


- Não, sou Cipriota, com raízes no Turquemenistão. (irónica e com as duas mãos na bochecha direita)


- Desculpa. Era uma pergunta retórica.

(não respondes. Sinto que ficas "a isto" de me mandar copular. Vais à tua vida)

Segui-te. Tinhas pelo na venta, falavas a minha língua e não me passavas cartão.

Era pecado não te seguir. Eras a minha saída, o meu bilhete. Se perdesse o teu comboio, roubava-me a pouca vida que tinha. Eu sabia-o.

- Sou o Tiago. Do Porto.


- Maria. Do mundo. (em passo apressado)


- Maria do mundo, posso acompanhar-te? Tenho gomas. Das gordinhas.

(Sorris para mim. Não faleço porque não calha)

Caminhámos pela poeira, gozaste com o meu sotaque, gozei com o teu “Deus te salve” e tu com o meu "biba!" depois de espirrarmos em uníssono. Disseste-me, a rir, que o meu molar estava por minutos, disse-te “olha quem fala”.

Falei-te do Gandhi, disseste-me para não me esforçar para parecer erudito. Meti a viola no saco.

Esticaste o pescoço e riste-te da minha cara de parvo. De parvo não. De lorpa.

Baixei o pescoço.

Tinhas sandálias iguais às da minha mãe.


Nesse dia, o único em que estivemos juntos na Índia, amei-te devagarinho. Amei-te a olhar-te nos olhos. Uma, duas, muitas vezes.
Nesse dia, o único em que estivemos juntos na Índia, amaste-me devagarinho. Amaste-me a olhar-me nos olhos. Uma, duas, muitas vezes.

Bem-hajas, Vasco da Gama, seu descobridor do caminho marítimo para a minha ilha do amor! Não há pai para ti!
Bem hajam os que, antes de ti, dobraram o cabo das tormentas e partiram o focinho ao Adamastor. Dava-vos um beijinho no rabinho a cada um, se pudesse. Juro. Pelo S. Bento das pêras.

Maria, que precisas de pimenta na língua, pedi-te, com olhinhos de carneirinho mal morto, para me deixares gostar de ti.
Triunfante, dificultaste-me a vida.

- Daqui a dois meses, às quatro e trinta e três da tarde, se ainda quiseres gostar de mim, aparece-me em Picadilly Circus, juntinho à estátua de Eros.

Começaste a chorar e pediste para eu sair.

Um milhão de fantasmas faziam excursões nos teus olhos grandes.

No índice da nossa vida, o primeiro capítulo terminou em Londres. Às quatro e trinta e três, com o Eros a espetar uma flecha no meio de nós.

Resgatei-te.

Resgaste-me.

Maria, que és do mundo, que és minha, os meus pais iam gostar de te conhecer. Não à primeira, se calhar. Mas iam.


Amo-te.